Com a revolucionária descoberta e extração da insulina no seu auge, num processo que decorreu entre maio de 1921 e o verão de 1922 por Frederick Banting, Charles Best, James Collip e John Macleod, chega aos Estados Unidos, em dezembro de 1922, Ernesto Galeão Roma, um jovem médico português que viria a desempenhar um papel central no tratamento da diabetes em Portugal.
Ernesto Roma, um jovem médico português que viria a desempenhar um papel central no tratamento da diabetes em Portugal.
Roma teve um percurso formativo brilhante, no decorrer do qual, já estudante de Medicina, iria conhecer, pela primeira vez, o meio científico internacional.
A estreia deu-se em 1910, frequentava ele o 4º ano, quando recebeu o convite para a frequência de um estágio no Hôtel Dieu, clínica famosa de Paris, dirigida por Paul Georges Dieulafoy, onde frequentou o “Cours de Technique Clinique”. Um mês que lhe iria despertar o gosto pelas viagens.
Terminado o curso de Medicina, no ano letivo de 1912/1913, Ernesto Roma assumiria as funções de Assistente de Anatomia e, de 1913 a 1922, de 2º Assistente de Patologia Interna, Clínica Médica, Terapêutica e Especialidades Médicas da Faculdade de Medicina de Lisboa (FML).
Em 1912, defenderia a dissertação de final do curso, dedicada à microcefalia, tendo obtido do júri, em que constavam nomes grandes da Medicina Portuguesa, como Miguel Bombarda e Júlio de Matos, a classificação, pouco comum, de 19 valores.
Uma classificação que na ata da prova é justificada pelo júri ter sido penalizada em um ponto pelo facto de a dissertação não ter sido apresentada em impressão tipográfica, como estabelecia o regulamento. Lacuna que só seria integrada em 1976, por ocasião do cinquentenário da Associação Protectora dos Diabéticos Pobres.
Em 1913 seria sujeito a nova prova, igualmente exigente, de concurso de “interno dos hospitais”, lugar para o qual existia um limitado número de vagas que, anualmente, não ia muito além das duas dezenas.
Nos anos passados no anexo do Hospital de S. José, onde até 1910 era ministrado o ensino de Medicina aos que estudou no «novo» edifício onde ainda hoje se encontra sedeada a Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, no Campo de Santana (nome pelo qual é conhecido o Campo dos Mártires da Pátria, toponímia adotada em 1879), Ernesto Roma conheceu alguns dos nomes mais marcantes da Medicina portuguesa, entre os quais, Curry Cabral, Pulido Valente, Bello de Moraes, Egas Moniz, Sílvio Rebelo, Ricardo Jorge, Augusto Celestino da Costa, Marck Athias, Sobral Cid, Óscar Moreno, Joaquim Fontes, Henrique de Vilhena, Barbosa Sueiro e Azevedo Neves, entre muitos outros.
Era, nas palavras de Victor Fontes – discípulo e sucessor de Henrique de Vilhena, fundador e primeiro diretor do Instituto de Anatomia da FML que prefaciou a “edição tipográfica” da dissertação publicada em 1976 – “Um colega de espírito alegre, muito inteligente, ótimo conversador, de relacionamento fácil e criando em toda a parte amizades”.
Qualidades que terão sido, a par com a disciplina, a consciência cívica e a persistência com que sempre perseguiu os seus objetivos, as traves mestras da grande obra que edificou e que resistiu ao tempo, chegando reforçada na sua capacidade de intervenção aos nossos dias.
O percurso profissional de Ernesto Roma seria interrompido com a entrada de Portugal na Primeira Grande Guerra, em 1916, precipitada pelo arresto, em fevereiro desse ano, a pedido do governo Inglês, de todos os navios alemães e austro-húngaros ancorados na costa portuguesa.
Colocado na retaguarda, o jovem alferes miliciano médico, trabalhou incansavelmente, tratando dos feridos transferidos do campo de batalha e assistindo ao agonizar de muitos dos soldados que nesse dia e no seguinte perderam a vida nos improvisados e mal apetrechados hospitais de campanha.
Em novembro de 1918, terminada a guerra, regressou a Portugal com as primeiras tropas do CEP, recebidas na Estação do Rossio, em Lisboa, Pelo Presidente Sidónio Pais.
Em dezembro de 1922, aconselhado Bello de Morais, Roma tornaria a sair do país, desta feita acompanhado da família, com destino aos Estados Unidos da América, onde seguindo o conselho de Bello de Morais foi estagiar Ética com Richard C. Cabot, no Massachussets General Hospital (MGH). Famoso bacteriologista, Cabot esteve na origem, em 1906, dos famosos “Case Record of MGH” publicados primeiro no New England Journal of Medicine and Surgery and the Collateral Branches of Medical Science (fundado em 1811) e mais tarde no Boston Medical and Surgical Journal, que em 1928, após a fusão com outro semanário médico, adotaria a designação que ainda hoje mantém: New England Journal of Medicine.
Foi também neste período que Ernesto Roma conheceu Elliot Joslin e a sua equipa, proprietário de uma clínica homónima, especializada no tratamento de pessoas com diabetes.
É neste centro de tratamento que toma conhecimento da “revolução” científica do momento: a insulina, descoberta dois anos antes e que já havia demonstrado ser eficaz no tratamento de pessoas com diabetes, até ali tratadas apenas com recurso a dietas hipocalóricas… Cujos resultados aterrorizavam o mais prevenido.
Segundo relatos da época, os doentes assim tratados assemelhavam-se a espectros saídos de campos de concentração, em estado de profunda caquexia.
Os resultados dos ensaios iniciados em 1922 na clínica Joslin com jovens diabéticos, alguns dos quais em estado de coma terminal, aos quais era administrada insulina – já com um grau de pureza aceitável – eram surpreendentes. Em apenas poucos dias permitiam melhorias significativas do quadro clínico e o regresso a uma vida normal.
Um verdadeiro “milagre”, que impressionou o médico português, então com 35 anos de idade e que o convenceu da necessidade de levar para Portugal, tão cedo fosse possível, o novo medicamento. Regressaria em outubro de 1923, apesar do convite de Cabot para que prosseguisse o estágio na Universidade de Harvard.
Em carta enviada a 18 de abril de 1923 ao Professor Bello de Morais, Calbot salientaria o bom trabalho realizado por Roma, que não obstante as “dificuldades devido à não familiarização com a nossa língua”… Revelou-se um “ótimo companheiro” tendo trabalhado com assiduidade e inteligência, tanto no laboratório com o nosso patologista – anatomista Dr. Wolbch bem como nas enfermarias com vários dos nossos professores clínicos – patológicos”.
Roma estava decidido! Chegado Lisboa, reassumiu o seu lugar no Hospital Escolar de Santa Marta, onde trabalhou em estreita ligação com Pulido Valente. E é precisamente com o amigo que surge a primeira “estória” sobre a divulgação da diabetes junto da comunidade médica portuguesa.
Conta-se – não existem fontes que o confirmem – que em 1924 Roma e Pulido Valente terão desaparecido durante dois ou três dias, após os quais este publicaria um conjunto de “lições sobre Diabetes”, na revista “Lisboa Médica”… Nas quais não surge qualquer referência a Ernesto Roma. Correu mesmo o boato de que como Roma era avesso a escrever “Pulido sugou-lhe o conhecimento e publicou aquelas magistrais lições”.
Apenas uma frase indicia a participação de Roma na obra: “Mais do que em qualquer outra doença, o médico será aqui o educador. A sua função é menos tratar o doente do que ensiná-lo a tratar-se a si próprio. É necessário que lhe explique as ideias fundamentais sobre a fisiologia da doença sem as quais não pode haver compreensão suficiente da técnica terapêutica…”.
Uma abordagem que ainda hoje integra o “código genético” da associação protetora dos diabéticos que viria a criar alguns anos mais tarde. Acrescente-se que nos artigos publicados por Pulido, também não é feita qualquer referência à insulina, sendo o caso relatado o de um doente tratado apenas com recurso a dieta.
Importa sublinhar que no Portugal desta época era muito escasso o conhecimento sobre a diabetes e ainda mais rara a informação sobre a insulina… A ciência que alimentava o crescimento da Medicina Portuguesa provinha quase só da Europa. A revolução iniciada por uma equipa de investigadores de Toronto, no verão de 1921, passara, pois, quase completamente à margem da comunidade científica nacional.
Apenas Ernesto Roma – e talvez o amigo, Pulido Valente – tinham consciência da importância do achado. Mesmo a nível europeu, o impacto da descoberta pouco se fez sentir.
Pensa-se que terá sido o médico catalão Rossend Carrasco i Formiguera o primeiro a tratar doentes diabéticos no Velho Continente.
Tudo terá começado em 1922, na Universidade de Harvard, onde Formiguera ouviu pela primeira vez falar da insulina, numa palestra proferida por Frederick Banting. De regresso a Barcelona, o médico terá escrito a John Macleod solicitando instruções sobre o fabrico dos extratos pancreáticos de insulina.
Na posse da informação produziu, com a ajuda de Pere González i Juan, farmacêutico do Laboratório Municipal de Barcelona, um preparado muito impuro que iria usar em Francesc Pons, um jovem diabético de 20 anos, em estado terminal, que após uma ligeira melhoria, acabaria por falecer.
No resto da Europa, a insulina só começaria a ser alvo de interesse por parte da classe científica em 1923 (ano em que Banting e Macleod receberam o Nobel da Medicina pela sua descoberta) não existindo dados de que tenha sido administrada mais cedo.
Em Portugal, ainda que não existam dados fidedignos sobre a introdução da hormona e a sua utilização em doentes, pensa-se que terá sido Ernesto Roma quem primeiro a administrou. Corria o ano de 1924.
Graças à “libertação da patente” pelos seus descobridores, rapidamente a insulina começa a ser produzida em grandes quantidades, logo em Novembro de 1921, nos Estados Unidos, pela Eli Lilly Company.
Ernesto Roma não poupou esforços para que o tratamento da população diabética, com insulina, se tornasse realidade.
Particularmente a mais desfavorecida, incapaz de suportar os custos da inovação terapêutica. Trocaria Psiquiatria pela Diabetologia, dedicando a esta toda a sua vida.
Inspirado por Talbot, Roma preocupa-se particularmente com a educação do doente diabético, nas suas múltiplas vertentes. A diabetes, doença crónica e sem cura, tinha de ser tratada com a colaboração do doente. Para isso, era imprescindível ensiná-lo a gerir a própria doença.
Só desta forma seria possível recuperar a autonomia necessária a uma reintegração social plena. Aos médicos cabia o controlo periódico e a intervenção face a complicações e intercorrências.
A ideia era consistente, a vontade muita. Faltava apenas encontrar forma de a implementar… E de tornar possível o tratamento de todos os diabéticos, independentemente da sua situação económica. Isto numa época em que do Estado pouco se podia contar.
Enfim… Era preciso dinheiro. A insulina era, para além de escassa, muito dispendiosa.
Foi então que a 13 de Maio de 1926 (dia de aniversário da sua irmã Zulmira) Roma convocou para o seu consultório, na Avenida da Liberdade, no primeiro andar do prédio onde à época funcionava a afamada Pastelaria Bijou, na esquina com a Rua das Pretas, um grupo de amigos influentes – entre eles alguns grandes comerciantes da “Baixa”, muitos deles diabéticos ou familiares de diabéticos, pelo que conhecedores do problema, – para discutir a forma de atingir o seu objetivo.
Encontravam-se nesse grupo João Nepomuceno Cardoso de Oliveira, Vasco de Vasconcelos, João Eduardo Peixoto e Álvaro Amaral Barata.
Desse encontro nasce a decisão de se criar uma instituição privada, de âmbito social, para apoiar as pessoas com diabetes, tendo sido solicitado a Amaral Barata, que era advogado, que elaborasse uma proposta de estatutos.
A 27 de agosto realiza-se nova reunião, preparatória da fundação da Associação Protectora dos Diabéticos Pobres (APDP). Da ata do encontro, consta o seguinte:
"Tomando a palavra, o senhor Dr. Vasco Vasconcelos disse que em 13 de Maio o Excelentíssimo Senhor Dr. Ernesto Roma, em uma das suas consultas gerais sobre a diabetes, lançou a ideia de se fundar uma instituição de beneficência, com o fim de proteger os diabéticos pobres e por todas as maneiras possíveis combater a diabetes, fundação esta que constitui hoje uma imperiosa necessidade, atendendo ao notável incremento que a doença vem acusando nos últimos tempos, cuja utilidade social e humanitária desnecessário se torna frisar. Reconhecendo a excelência d`uma tal iniciativa promoveu-se esta reunião para se decidir acerca da execução da ideia do ilustre clínico”.
Desde logo, ficou decidido que o dia 13 de maio de 1926 seria a data em que se comemoraria daí para a frente o “nascimento” da APDP, já que havia sido nessa data que a ideia fora pela primeira vez apresentada.
A 8 de agosto realizar-se-ia a primeira Assembleia Geral em que foram aprovados os Estatutos e nomeados os primeiros corpos gerentes: João Nepomuceno Cardoso de Oliveira seria o presidente da Comissão Executiva e Ernesto Roma o primeiro Diretor Técnico da Instituição.
Estava assim criada a primeira associação de diabéticos do mundo, decana da Federação Internacional de Diabetes e ponto de partida para o movimento associativo de luta contra a doença.
A primeira sede da APDP seria na Rua Augusta, 126-7, espaço que partilhava com outras associações. Na verdade, pode-se mesmo afirmar que a primeira sede da Associação era o armário onde nas instalações partilhadas estavam depositados os então parcos bens da APDP.
Armário que sobreviveu ao tempo e às inúmeras “casas” por onde passou a associação até se instalar, definitivamente, nas modernas instalações onde hoje funciona, na Rua Rodrigo da Fonseca, n.º1, na esquina com a Rua do Salitre, onde ainda hoje existe uma entrada, o n.º 118, que permanece, formalmente, como endereço oficial da Associação.
Adaptando a Clínica Diabetológica às condições dos pobres em Portugal, Roma criaria uma escola original em que a insulina era prescrita não só às crianças, mas também aos adultos em que a dieta associada à insulina já podia ser alargada, permitindo à pessoa com diabetes comer de tudo o que a sua família comia – excluindo obviamente o açúcar – e limitando o cálculo da dieta apenas à ração hidrocarbonada e apenas em cálculo aproximado dando, por outro lado, para as rações gorda e proteica apenas os conselhos de comer ou muito ou pouco…”.
Desde o início da atividade da APDP que Ernesto Roma institui como prioridade a educação do doente com diabetes. A autovigilância através pela pesquisa da glicosúria e o seu controlo com a insulina – cuja injeção o doente sabia preparar e administrar – a par com uma dieta adequada ainda que simplificada, que permitia ao doente comer os mesmos alimentos que a sua família, eram algumas das “cadeiras do curso” ministrado na APDP.
Na consulta de Quiropodia – criada logo nos primeiros anos – ensinava-se a vigiar e cuidar dos pés evitando deste modo as consequências, por vezes dramáticas das infeções associadas.
A primeira inovação introduzida por Roma foi a aplicação da insulina não apenas na diabetes juvenil e nos casos com ácido-cetose, em que o medicamento era imperativo e incontestado, mas também nos doentes submetidos a uma dieta demasiado restritiva para a atividade que realizavam.
Em 1931, foi publicado o nº1 do Boletim da APDP destinado à população, talvez a primeira iniciativa deste tipo em todo o mundo e das primeiras a envolver a comunidade nos seus problemas de saúde.
No entanto, foi na área da educação dos diabéticos que a ação de Roma se transformou num caso especial. Tendo sido professor do Instituto do Serviço Social, onde ensinava higiene alimentar, submeteu todos os funcionários da APDP a ações de formação técnica, criando pessoal preparado para cumprir essa missão.
Todos os dias, antes das consultas, realizavam-se na sala de espera, palestras a que assistiam os doentes e o pessoal auxiliar.
Aí forneciam-se dados elementares sobre a diabetes, sobre os seus riscos e a forma de os evitar (acidose, hipoglicemia, prevenção das complicações, cuidados de higiene etc.), davam-se conselhos sobre a atividade física mais indicada e fazia-se a aprendizagem do regime dietético, não através do número de gramas de cada componente químico alimentar, mas usando exemplos concretos: números de colheres de sopa, papos-secos, batatas ou decilitros de leite. Além disso, eram dadas aulas individuais sobre avaliação metabólica, através das pesquisas de glicosúria e sobre a técnica da auto-injeção de insulina.
Uma estratégia que tinha como objetivo dotar o diabético de autonomia para ser o gestor da própria doença, permitindo a sua integração normal na família e no mercado de trabalho. Pode-se assim afirmar que Ernesto Roma foi o pioneiro na Educação Terapêutica.
Constante na vida da APDP – como de resto da maioria das associações de beneficência – foram as dificuldades financeiras, que amiúde tumultuavam – e ainda hoje ensombram – o dia-a-dia de trabalho, sempre crescente, em prol da população diabética mais desfavorecida.
Dificuldades que foram sendo supridas graças ao apoio dos sócios, de mecenas e dos funcionários, e que permitiram, ontem, como hoje, garantir assistência altamente diferenciada aos doentes que a ela acorrem… E também dos poderes públicos, que por vezes de forma direta, outras “pela socapa” prestaram apoio à instituição.
José António Baptista de Almeida, Fundador dos Laboratórios JABA (hoje JABA Recordati), foi um deles. Durante a II Grande Guerra foi necessário garantir uma provisão segura de insulina. Baptista de Almeida não hesitou e entregou a Ernesto Roma, “fiados” duzentos contos de réis de medicamento, uma verdadeira fortuna para a época.
As décadas de 50 e 60 foram marcantes na atividade da APDP, quer ao nível do ensino, quer da prática clínica, muito graças aos desenvolvimentos terapêuticos ocorridos. Em 1955 surgiram as primeiras sulfonilureias, entre as quais, a tolbutamida que rapidamente passou a integrar a terapêutica da diabetes do adulto.
Logo a seguir surgiriam as biguanidas e, uma delas, a fenformina, passou a ser usada em larga escala na APDP, sobretudo após um trabalho de investigação de Pedro Lisboa, que demonstrou os efeitos anoréticos da droga e a sua vantagem no tratamento dos diabéticos obesos.
A par com os progressos científicos, registaram-se também profundas reformas no setor da saúde que iriam ter o seu ponto alto na designada “primavera marcelista”, em boa parte implementadas pelo Professor Gonçalves Ferreira no campo da administração e da política da Saúde Pública em Portugal, impulsionadoras das mais recentes formas de atuação no campo da Saúde e inovadora pela introdução de soluções que só mais tarde viriam a ser confirmadas internacionalmente.
Esta atuação permitiu a Portugal evoluir para a Moderna Saúde Pública, através de uma reforma do sistema de saúde que permitisse abranger, de forma progressiva, toda a população.
Em 1971, ainda que logrando o objetivo de integração dos Serviços Médico-sociais da Previdência para a criação de um sistema de saúde, cria a primeira rede de cuidados de saúde primários (DL 413/71), idealizada pelo então Diretor-Geral da Saúde, Arnaldo Sampaio, que levou à instalação de 202 centros de saúde distribuídos pelo país, sendo o de Guimarães, o de Vila Verde e o de Fafe, os três centros piloto.
Reconhece-se o direito à saúde e a necessidade da promoção de uma política unitária de saúde, de integração das atividades de saúde e assistência e do planeamento central e descentralizado da execução.
Uma nova abordagem que levou a APDP começou a alargar a sua base social de assistência.
Era Ministro das Corporações, da Previdência Social e da Saúde e Assistência, Baltazar Rebelo de Sousa e, nesse mesmo ano, a APDP, embora mantendo a mesma sigla, mudou de nome e passou a chamar-se “Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal”.
Uma alteração que iria alterar radicalmente o seu âmbito de atuação, já que que passava a estar integrada na assistência a toda a população, dentro de uma linha de orientação que iria mais tarde dar origem à sua colaboração com o Serviço Nacional de Saúde.
Em 5 de março de 1974 Ernesto Roma, então com 87 anos, alegando a sua já avançada idade e a sua incapacidade de dar o seu melhor esforço aos destinos da Associação apresenta o seu pedido de demissão.
Ernesto Roma passa a membro vitalício da Direção da Direção da Associação.
O seu lugar foi ocupado a 1 de outubro de 1974 pelo seu colaborador mais direto, Manuel Sá Marques. Nuno Castelo Branco foi escolhido como Subdiretor Clínico.Ernesto Roma faleceu em 1978 com 91 anos e já não pôde assistir às grandes mudanças que iriam surgir a partir da década de 1980, ligadas, não a decisões políticas ou à visão de um pioneiro, mas sim à revolução tecnológica que se estava a processar na Medicina e que iria transformar por completo o tratamento da diabetes.
A angiografia fluoresceínica da retina, o laser, a microcirurgia e a vitrectomia abriam inesperadas soluções ao diagnóstico e tratamento da retinopatia diabética. As técnicas de hemodiálise e os transplantes permitiam salvar a vida dos insuficientes renais. Os “pacemakers”, os “bypasses”, as técnicas de imagiologia (angiografias, Doppler e ecografia), meios mais precisos de autocontrolo e novas moléculas farmacológicas, passaram a fornecer meios mais eficazes no tratamento das lesões vasculares coronárias e periféricas.
Entretanto, começava a prever-se a possibilidade ou de transplantação total do pâncreas ou de embolização hepática das células beta dos ilhéus de Langerhans que, aprisionadas nos pequenos capilares do fígado, passassem a produzir insulina em condições fisiológicas. Por outro lado, vários engenheiros da NASA que ficaram desempregados no fim do projeto Apolo conceberam um pequeno aparelho que, colocado debaixo da pele, poderia funcionar como um pâncreas artificial.
Constituído por um sensor dos níveis de glucose, uma pilha, um computador, uma bomba e um reservatório de insulina, este conjunto seria capaz de reproduzir artificialmente aquilo que as células beta dos ilhéus de Langerhans faziam normalmente: lançar na circulação quantidades variáveis de insulina de acordo com os níveis plasmáticos de glicémia. Projeto arrojado e dispendioso, iria necessitar de algumas décadas para se tornar disponível, mas traduzia o espantoso salto tecnológico que estava a acontecer.
Era todo um mundo em mudança que, nos 15 anos que decorreram até ao final do século XX, transformou completamente a medicina.
Os diabéticos viam finalmente nascer soluções para as terríveis ameaças que os esperava no futuro: a cegueira, a gangrena dos membros inferiores e a morte precoce por insuficiência renal, acidente vascular cerebral ou enfarte do miocárdio.
Além de abrir as suas portas a uma classe média em rápido crescimento e de se adaptar ao novo conceito de “direito à saúde” inscrito na Constituição, a APDP iria necessariamente crescer e apetrechar-se para os novos desafios impostos pelos avanços tecnológicos.
O velho edifício da Rua do Salitre foi amplamente acrescentado e recheado com equipamentos modernos.
A partir de 1982, o seu corpo clínico alargou-se com a contratação de oftalmologistas, urologistas, cardiologistas, psicólogos e mais tarde pediatras, podologistas, nefrologistas e psiquiatras.
A APDP acompanhava assim a evolução dos tempos, sem nunca perder a inspiração do seu fundador e conservando como na frase que constava dos Estatutos redigidos em 1926 e que definia todo um programa:
Combater por todas as maneiras possíveis a diabetes e as suas consequências