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JABA RECORDATI S.A. - Portugal
Colapso dos sistemas de saúde na Europa

O CEO da farmacêutica italiana, que esteve em Portugal para visitar a subsidiária Jaba, diz ao Jornal Económico que ainda existem "uns quanto ovos podres na indústria", mas "a maioria quer realmente salvar vidas".

O neerlandês Rob Koremans, presidente executivo do grupo farmacêutico Recordati, é um fã assumido de Portugal — especialmente da ilha da Madeira. No entanto, apesar das dezenas de viagens a Lisboa na pele de turista, esta semana foi das poucas em que o fez enquanto boss da subsidiária portuguesa, Jaba Recordati.

A passagem pelo Tagus Park, em Oeiras, foi a ocasião de uma entrevista exclusiva ao Jornal Económico (JE), na qual falou de gestão, doenças raras e nas falhas nos sistemas de saúde, sobre os quais ainda se mostra crente e esperançoso. 

"Não acredito minimamente que estejamos perante o colapso dos sistemas de saúde na Europa. Um dos desafios que temos enquanto mundo são as pessoas, que crescem em número e vivem mais tempo. Fiz 60 anos no verão. Lembro-me de quando andava na escola secundária éramos quatro mil milhões e hoje somos quase oito mil milhões e daqui a 20 ou 30 anos estaremos perto das dez mil milhões de pessoas", começa por explicar.

"Se pensarmos na Covid-19 e no quão rápido os cuidados de saúde fizeram os diagnósticos e encontraram tratamentos em menos de um ano deixa-me extremamente otimista. Se alotarmos a nossa energia, cooperarmos e trabalharmos em conjunto com as autoridades, os governos, os especialistas, a indústria e os credores - quem financia - conseguimos fazer coisas inovadoras", acrescenta o gestor formado em Medicina.

Nelson Pires

No ano passado, a dona da Jaba Recordati registou vendas de 1,5 mil milhões de euros (+9,1% em relação ao ano anterior) e aproximadamente um terço desse montante adveio da unidade de "doenças raras" — composta por cerca de 30 medicamentos - e dois terços do segmento de "especialidade e cuidados primários", o negócio onde se insere a empresa portuguesa.

Na primeira metade deste ano, a receita líquida consolidada do grupo foi de 892,5 milhões de euros, o que representou um aumento homólogo de 15,8%, à boleia da recém-adquirida prática de oncologia rara (EUSA Pharma), que entretanto ficou totalmente operacional e integrada na empresa italiana, com receitas trimestrais de 46,1 milhões de euros (acima do esperado).

 

Doenças raras são o negócio em crescimento 

"Apesar da unidade de Specialty & Primary Care ter mais receitas, o maior crescimento é na área de Rare Diseases e isso acontece porque hoje contam-se sete mil doenças raras conhecidas sem qualquer tratamento. A maioria afeta crianças. A oportunidade para trazer melhorias aos trata- mentos de doenças como a diabetes ou hipertensão são poucas, porque há terapias, portanto as oportunidades de crescimento estão no outro lado, das doenças raras.

Porém, é também a área mais arriscada porque começa-se algo do zero e pode falhar", lembra o CEO. Ao mesmo tempo, o grupo acaba por ter pouca concorrência, porque para cada doença rara há apenas um medicamento. 

Rob Koremans explica que o crescimento nos resultados semestrais e de 2021 da Recordati devem-se, primeiramente, a uma base de 2020 que era baixa, dado que as pessoas não iam às consultas médicas e não tinham prescrições de medicamentos para tomar - o mesmo aconteceu com a subsidiária nacional.

Depois, surge o número crescente de diagnósticos de utentes com doenças raras para as quais há fármacos disponível no mercado. Em terceiro lugar está a compra da británica EUSA Pharma [ver caixa ao lado com montante da operação].

E o negócio em Portugal? Cresce, mas não ao mesmo nível que a casa-mãe. "A Jaba Recordati teve vendas de mais de 40 milhões de euros em 2021 e tem uma boa performance. O crescimento não é assim tão grande, de 3-4%. Se olharmos para o mercado o crescimento é a dois dígitos. O grupo está num negócio rentável, mas temos de trabalhar arduamente para o manter assim. Não se pode baixar os braços assim", frisa.

Confrontada com um contexto de inflação e, particularmente, um aumento dos custos de energia, a farmacêutica de Milão teve de ajustar os preços. Todavia, o CEO avança ao JE que a variação na última década foi sempre de 1%.

"Ao contrário dos Estados Unidos, onde as empresas geralmente aumentam os preços entre 4 a 5% por ano para compensar a inflação. Na Europa, muitas vezes são os governos a comparticipar, logo não se pode aumentar os preços assim. O preçário aumenta é nos produtos sem prescrição médica. Contudo, aí há muita concorrência, portanto não se pode simplesmente aumentar muito os preços. Em geral, se olhar para os últimos dez anos, a Recordati subiu de desceu os preço sem torno de1%,o que é mais ou menos estável", defende.

Empresa italiana não ponderou investir nas vacinas contra a Covid-19 

De facto, para Rob Koremans, um dos exemplos de "foco" na indústria da saúde foi a pandemia, que impulsionou a investigação e parcerias entre multinacionais com o objetivo único de impedir a propagação do vírus e retirar os cidadãos das quatro paredes onde se encontravam há meses.

O diretor do grupo farmacêutico italiano dá o exemplo da alemã BioNTech, que começou por testar vacinas para prevenir o cancro e acabou por criar um fármaco contra o vírus SARS-CoV-2 em apenas seis semanas, com o apoio da norte-americana Pfizer.

Questionado sobre se a Recordati ponderou lançar-se nessa corrida à descoberta da vacina, no início de 2020, Rob Koremans foi perentório: não, porque é uma espécie de Liga dos Campeões. "É preciso ter realmente conhecimento muito específico para aquilo. Requer sermos capazes de agregar valor. Nós somos globais, mas trabalhamos com equipas pequenas e doenças raras. Não temos aquele tipo de distribuição massiva.

Em Portugal, com a Jaba Recordati, poderíamos tê-lo feito em termos dedistribuição, mas não é o passo mais lógico para nós", esclareceu. "Claro que [BioNTech, Pfizer e as outras fabricantes] fizeram bom dinheiro com isto, mas conseguiram-no e, mais importante, provavelmente salvaram muitas vidas e acabaram com os confinamentos para vivermos vidas mais normais hoje em dia", frisou.

Instigado a comentar se ainda existe um estigma associado aos lucros nesta indústria, o CEO da Recordati diz que acha que as pessoas já "não se importam se as farmacêuticas fizerem dinheiro, mas a ideia que por vezes existe é a de que fazem demasiado dinheiro".

"Acredito que, provavelmente, em dez farmacêuticas há uma ou duas que não o fazem corretamente e praticam preços loucos. É verdade que existem uns quanto ovos podres, mas a maioria das empresas que conheço — e já trabalhei para várias [Teva Pharmaceuticals, Serono, Zentiva...] — quer realmente salvar as pessoas", garante.

Com a ressalva de que, neste caso, não é útil falar de Portugal, pois os valores da medicação são fixados por lei, Rob Koremans dá o exemplo dos Países Baixos, onde "80% dos medicamentos são usados como genéricos e o custo médio de produto que sai da fábrica para um mês de tratamento é 1,80 euros".

"Não me digam que é muito dinheiro. É metade de um café em Amesterdão", aponta, acrescentando que a opinião pública não se pode esquecer de que há acionistas que querem ver retorno do investimento de dez anos que fizeram, sobretudo se se tiver em conta que a 20 anos de patente se tiram 12-13 de investigação e restam seis a sete para ter ganhos. 

"Neste sector, se quisermos ter um produto no mercado são precisos doze a trinta anos de desenvolvimento. Começamos com milhares de produtos e acabamos com um e, dependendo da doença que se escolher, gasta-se três a quatro mil milhões para colocar só um produto à venda. É um investimento grande de dinheiro e tempo. Portanto, se os governos mudarem as políticas de três em quatro anos é muito difícil ter uma visão de longo prazo. Nesta área temos de pensar dez anos à frente", recorda, confessando que adquiriu essa capacidade de estabelecer metas e estratégias para o futuro as visitas diárias a profissionais de saúde e o contacto frequente com os reguladores da saúde.

"Aprende-se com a realidade e com os erros, tentando não cometer o mesmo várias vezes. É muito importante, além dos livros, ir para os laboratórios e com contactar com a FDA [Food and Drug Administration], perceber realmente como é que eles olham para o teu produto, o que é que eles pretendem, o que é preciso mudar para que os padrões necessários sejam cumpridos", assegura.

 


Fonte: Jornal Económico