Na área farmacêutica, o e-Commerce ainda não tem a força e expressão que tem noutros sectores de actividade, mas a tendência será de crescimento nos próximos tempos. O tema deu o mote ao mais recente pequeno-almoço debate do sector.
A pandemia de Covid-19 veio impor uma disrupção tecnológica sem precedentes em quase todos Aos sectores de actividade e no dia-a-dia dos consumidores.
O sector da Saúde não é excepção e, em pouco tempo, tecnologias como a telemedicina ou telemonitorização registaram um desenvolvimento inédito, tornando-se "normais" na vida de muitos pacientes e profissionais de saúde.
Contudo, na área do e-Commerce, apesar do crescimento visível do home delivery durante os confinamentos no ano passado, o desenvolvimento ainda não é o esperado.
Com efeito, se é verdade que algumas farmácias e grupos de farmácias fizeram investimentos no sentido de desenvolverem a parte de e-Commerce, sobretudo na área de consumer healthcare, não é menos verdade que esse movimento isolado não é (ainda) suficiente para uma transformação digital que se quer sectorial.
«Em Portugal, o e-Commerce [na área farmacêutica] ainda não tem peso, porque o mercado ainda não está organizado. Os próprios players não estão organizados. Ainda não há aquela marca de referência no online, aquele pure player, como existe por exemplo em Espanha com a Amazon, a Mifarma e a DosFarma», consideram os participantes no mais recente pequeno-almoço debate do sector, organizado pela Marketeer.
Além disso, algumas da plataformas que já existem no mercado nacional «não cumprem as expectativas» dos consumidores. «O que o consumidor espera do e-Commerce das farmacêuticas é exactamente o que espera em todas as outras áreas: rapidez, conforto e confiança», reiteram.
Apesar de tudo, os responsáveis do sector acreditam no desenvolvimento a breve prazo do e-Commerce farmacêutico, mesmo na parte dos medicamentos de prescrição, até porque já existem condições técnicas que poderão facilitar essa evolução.
«A partir do momento em que temos a desmaterialização da receita e há um código de prescrição no telemóvel do paciente, não há nenhuma razão óbvia para que não recebamos o medicamento prescrito ou de venda livre ao domicílio. E é esse o passo que algumas farmácias têm dado, mas enquanto ponto de venda isolado não têm peso», explanam os participantes.
Ana Castelão (Pfizer), Ana Ferreira (Generis), Gonçalo Bar- reto (Bayer), Luísa Silva (Sanofi), Maria Catela (Pfizer), Patrícia Gouveia (Janssen) e Rui Rijo Ferreira Gaba Recordati) foram os participantes num debate que regressou ao formato presencial no Hotel Vila Galé Ópera, em Lisboa.
Neste momento, existem alguns projectos em desenvolvimento no sector farmacêutico nacional que permitem antever um crescimento expressivo do e-Commerce nos próximos tem- pos, não apenas na categoria dos medicamentos OTC (over-the-counter ou não sujeitos a receita médica), como também na dos sujeitos a prescrição.
É o caso da ANF - Associação Nacional de Farmácias, que tem vindo a trabalhar com as farmácias associadas no sentido de criar uma plataforma onde os consumidores passarão a poder comprar medicamentos, sejam de venda livre ou de prescrição, e recolhê-los na farmácia ou recebê-los em casa.
A plataforma permitirá ainda aos pacientes escolherem a farmácia mais perto de si.
Além da ANF, outros grupos farmacêuticos estão a «trabalhar fortemente o e-Commerce» e a própria Well's - que já em Abril do ano passado disponibilizou o serviço Well's Express, em parceria com os CTT, para a entrega ao domicílio de medicamentos não sujeitos a receita médica - poderá vir a apresentar novidades nesta área.
Caso estes e outros projectos vejam a luz do dia, podemos dar novos passos para aumentar a omnicanalidade no sector farmacêutico, tal como aconteceu em indústrias como a restauração ou a mobilidade e como já se verifica noutros mercados europeus.
«O sector precisa de um marketplace, até porque o consumidor não quer saber se o produto vem do laboratório, da fábrica ou da farmácia. O que quer é receber os seus medicamentos em casa, com comodidade», explanam os participantes no debate promovido pela Marketeer.
«O e-Commerce é um bem e um mal necessário, ou seja, é inevitável», reiteram.
À volta da mesa há também quem coloque reservas sobre as consequências que o e-Commerce trará para a indústria farmacêutica, no sentido em que poderá aumentar o risco de «"vulgarizar" o medicamento» e deteriorar aquele que é o seu valor percebido.
«O medicamento precisa de profissionais e o acesso ao médico é difícil - basta ver como está o acesso aos cuidados primários. Ninguém deve tomar uma Aspirina ou um Ben-U-Ron só porque lhe apetece. Deve haver algum cuidado neste tema», alertam.
Independentemente de tudo, as plataformas de e-Commerce que decidirem investir no sector nacional têm uma grande oportunidade em mãos, explanam, porque «os preços em Portugal, de uma forma geral, são mais baixos do que no resto da Europa».
Dessa forma, essas plataformas poderão pensar não só em comercializar os produtos farmacêuticos no mercado nacional, mas também internacional.
Esta perspectiva de uma concorrência galopante no meio digital traz também à discussão um outro tema pertinente: a importância da força das marcas farmacêuticas.
Os participantes no debate são unânimes em considerar que, no mercado dos medicamentos não sujeitos a receita médica, a marca é «muito importante», porque influencia directamente a decisão de compra dos consumidores finais.
E quando falamos de compras online, onde existe uma fase de pesquisa que precede a compra, torna-se ainda mais premente.
Com a agravante de que as negociações entre as empresas farmacêuticas e as gigantes do e-Commerce nesta área (como a Amazon) podem ser complicadas, porque há uma «enorme pressão» para baixar os preços e se uma determinada marca não entrar no marketplace, acaba por entrar um produto concorrente.
«Nós [companhias farmacêuticas] temos de reflectir se podemos não estar nestas plataformas. Mas se as marcas forem fortes, estas plataformas também não se podem dar ao luxo de não as ter na oferta», defendem os responsáveis. «Se a marca for muito forte, resiste a tudo isso», reiteram os participantes no debate sobre o sector.
Dito isto, os responsáveis ressalvam que a importância da marca de OTC varia consoante a categoria de produto e os próprios consumidores - há quem prefira sempre a recomendação de familiares, amigos ou do próprio farmacêutico.
Mas «claro que a marca é importante, caso contrário as empresas de OTC não faziam publicidade, não promoviam, não investiam na visibilidade em ponto de venda. Fazem-no porque têm resultados.Depois, obviamente que o papel do farmacêutico é crucial, porque há consumidores indecisos, ou que são mais influenciados pelo prescritor».
Já ao nível da marca institucional, não há assim tantas marcas que sejam conhecidas do público em geral, apesar de cada vez mais empresas promoverem a sua marca umbrella. Quanto à comunicação para os profissionais de saúde, a marca institucional é muito importante.
Nos últimos anos, e de um modo geral, as empresas farmacêuticas têm vindo a mudar o tom e o tipo de comunicação direccionada ao público em geral, agora mais ligada a eventos de saúde, ao running e a outros temas ligados ao bem-estar.
Têm feito também uma aposta grande na literacia. «Temos trabalhado muito a literacia em saúde.
Cada vez há mais páginas na internei ou nas redes sociais que promovem o conhecimento sobre as doenças de uma forma séria, com aprovação médica e regulamentar, e muitas das vezes em parceria com sociedades médicas ou associações de doentes. Há uma preocupação grande em transmitir informação credível e que seja útil às pessoas», referem os participantes no debate.
Além disso, as acções de literacia permitem às farmacêuticas promoverem determinadas marcas, quando junto dos médicos nos centros de saúde existe uma orientação para que se prescrevam os medicamentos mais baratos.
«Temos de aumentar a literacia na saúde de forma a que os doentes compreendam e usem toda a informação disponível, podendo participar de forma fundamentada na utilização do sistema de saúde. Caso contrário, os produtos de marca tendencialmente perderão visibilidade e notoriedade no SNS», concluem.
Fonte: MARKETEER