A possibilidade de escolha não está tão próxima quanto desejaríamos, mas as empresas têm de começar a preparar "o amanhã". Num cenário pós-pandemia, vamos trabalhar (mais) em casa ou (mais) no escritório? Foi o que fomos tentar saber junto de cinco gestores de empresas que actuam em sectores distintos.
Por Ana Leonor Martins
Para complementar os dados do Barómetro, cujos resultados apresentamos na peça seguinte, quisemos ter também exemplos concretos, e mais detalhados, dos modelos de trabalho que empresas de diferentes sectores estão a planear adoptar quando já não existirem restrições legais nem risco de saúde pública em Portugal.
Sendo natural que a decisão ainda não esteja fechada - até porque o Presidente da República promulgou o diploma do Governo que prorroga até 31de Dezembro de 2021o regime excepcional e transitório de reorganização do trabalho, que prevê que «é obrigatória a adopção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, sem necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador»-,procurámos perceber as tendências que se perspectivam.
Estão as empresas mais inclinadas para um modelo presencial, remoto ou híbrido? Sendo híbrido, quantos dias remoto e quantos dias presencial? E porquê? Por outro lado, quem vai decidir, a empresa ou o colaborador? Haverá "dias obrigatórios" ou é mais importante haver "momentos obrigatórios"? Que adaptações isso vai implicar, quer a nível de espaço físico, quer outras ligadas à liderança, motivação ou cultura? E quais os principais desafios que perspectivam motivados por estas mudanças?
Foram estes os motes de partida para os casos concretos que apresentamos a seguir, das empresas: bp, Grupo Vila Galé, Jaba Recordati, Randstad e Sonae MC.
Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos
«Muito se tem falado sobre os novos modelos de trabalho na era pós-pandémica. Uns advogam o 100% remoto, outros o modelo híbrido mais ou menos remoto, havendo ainda os que consideram que irão voltar ao 100% presencial. A verdade é que, no que à pandemia diz respeito, ainda navegamos à vista, depois de mais de um ano deste mundo num registo completamente diferente do que sempre conhecemos.
Vamos tendo avanços e recuos de acordo com as vagas e as novas variantes, na esperança de que a imunidade de grupo que se espera conseguir através da vacinação nos traga alguma normalização no dia-a-dia.
Há dois eixos que estão no top of mind das decisões que iremos ainda tomar em relação ao modelo de trabalho a adoptar no novo diferente por que tanto ansiamos, apesar de ainda não ser possível precisar quando será: o impacto que o mais ou menos remoto terá (1) na produtividade e (2) no engagement dos nossos profissionais.
Este último ano tem sido profícuo em estudos das mais diversas origens e objectivos, relacionados com a pandemia e o seu impacto nas diferentes esferas do mundo do trabalho e na saúde física e mental das pessoas de uma forma geral. Mas, apesar de haver já alguma evidência relacionada com estes dois eixos, parecem-me parcos e heterogéneos os resultados disponíveis para que possam ajudar a formar uma opinião acerca deste impacto.
O que os estudos parecem indicar é que, ainda que, de acordo com os resultados, não haja um impacto significativo do remoto na produtividade (positivo ou negativo), o mesmo parece já não se poder dizer a respeito do impacto no engagement, onde as evidências parecem indicar que quanto maior o peso do remoto, maior o impacto negativo no engagement dos trabalhadores para com a organização.
Acresce a estes dois eixos o sector de actividade onde a empresa se insere e respectiva cultura previamente existente em modelos de trabalho remoto, o impacto que a pandemia está a ter no negócio a que se associa a necessidade de rever os custos inerentes ao mesmo e, finalmente, mas não menos importante, as condições físicas das instalações das empresas para receber os trabalhadores com todas as condições de segurança, num regime mais ou menos presencial.
Por exemplo, empresas com desenho de grandes espaços em open space terão muito mais dificuldade em re-organizar o seu espaço quando comparado com as que apresentam o espaço mais compartimentado com gabinetes ou salas individuais de trabalho.
A Jaba Recordati S.A. é uma companhia do sector farmacêutico com uma forte componente comercial, onde a presença no terreno é um factor importante, assumido e esperado por todos os stakeholders. Não iremos por esse motivo adoptar um modelo fortemente remoto. No entanto, adoptámos o digital como parte integrante do novo modelo de trabalho, pelo que manteremos também actividade através das plataformas que identificámos e implementámos ao longo deste ano de pandemia e de que são exemplo o Recordati Smart e as visitas remotas.
As evidências parecem indicar que quanto maior o peso do remoto, maior o impacto negativo no engagement dos trabalhadores para com a organização.
O nosso foco tem sido as pessoas, uma vez que as consideramos o factor crítico de sucesso da organização, proporcionando o necessário upskill digital (tecnológivo e de soft skills), através de uma forte aposta em learning and development (L&D) desenvolvida ao longo dos últimos 12 meses. O nosso foco não é a transformação digital da empresa. É, sim, a transformação digital das pessoas. As empresas são feitas de pessoas, e a transformação digital não se dá sem essas mesmas pessoas. É uma questão de mentalidade.
Queremos ter profissionais digitais (na melhor acepção da expressão), capacitados para utilizar e integrar o digital no seu dia-a-dia de trabalho, reconhecendo o upgrade que isso significa do ponto de vista da melhoria dos processos, consequente produtividade e nos resultados do seu trabalho, e não como uma ameaça ao posto de trabalho. Exactamente por considerarmos que o digital veio para ficar, uma das iniciativas que desenvolvemos em 2021 foi integrar objectivos digitais na definição de objectivos anuais das equipas.
Na Jaba Recordati, acreditamos que o sucesso que resulta na longevidade que apresentamos de mais de 90 anos se deve ao facto de nos focarmos com compromisso nos produtos e nas pessoas, a que acrescentamos a qualidade dos processos que mantemos em permanente actualização e adequação à realidade com que nos deparamos.
O digital tem sido, de facto, como alguém escrevia, o melhor remédio possível no contexto actual, de forma a mitigar os sintomas provocados pela pandemia na indústria farmacêutica. E veio para ficar. A posologia mais adequada, essa, ainda está a ser ajustada.»
Fonte: Human Resources