A real epidemia pós covid serão as doenças mentais, nomeadamente o burnout, a ansiedade, depressão e frustração. Esta pandemia da exaustão emocional é algo que deve preocupar a sociedade.
Excesso de trabalho, de preocupações, desequilíbrio entre a vida pessoal e profissional que invadiu a casa das pessoas com o tele-trabalho e tele-escola, a adaptação a novas realidades profissionais, a própria ausência de vida social, o medo do futuro, o risco e/ou o desemprego… Provavelmente não é pós pandemia, mas algo que já está a acontecer durante a pandemia.
Por isso acredito pouco que o trabalho remoto será uma realidade permanente, pois ganha-se alguma eficiência e provavelmente produtividade; mas perde-se afiliação, employer branding, separação entre privado e profissional.
E toda esta angústia num País que anuncia medidas todos os dias, para combater a crise que a pandemia criou. Layoffs, moratórias, apoios… Boas medidas económicas e sociais, mas que não chegam às pessoas nem às empresas.
Alguns dias atrás, um governante dizia-me que tinham já apoiado 40.000 empresas… Mas só na área da restauração há mais de 130.000 e PMEs há mais de 1.3 milhões de empresas. E todas estas estão certamente a sofrer com a crise e a pandemia, bem como a necessitar de apoio e injeção de liquidez.
Provavelmente a responsabilidade nem é dos políticos mas das formas e regras que criam para aceder aos benefícios (para dificultar o acesso promovendo a equidade), da legislação mal feita, bem como da ineficiência reconhecida da administração pública, que já era ineficiente e que actualmente - em muitos casos, não todos - aproveitou o “trabalho remoto” para fazer “trabalho fantasma”. Ou seja, nem sabemos por onde andam, nem atendem o telefone, nem respondem aos e-mails, simplesmente desapareceram.
Por tudo isto, todos apontam 2024 como o ano em que voltaremos ao valor do PIB de 2019, pasme-se!
Portanto temos o sistema político e modelo governamental ideal em momento de crise, uma esquerda social. Pois, (e sem preconceitos ideológicos ) em Portugal ser de esquerda é ser contra “o sistema”, respeitar as diferenças e defender os desprotegidos, desejar a igualdade social, defender um papel interventivo do estado para reequilibrar o elevador social, garantir que os que não têm voz passem a ter, comunicar medidas diariamente… e a comunicação social e a nossa elite intelectual promove esta pressuposta racionalidade. Mas não é isso ser apenas populista, neste caso, em que comunicamos tanto e fazemos tão pouco? Dizer o que as pessoas querem ouvir, nomeadamente as grandes massas!
Ser da direita e/ou liberal é pactuar com o diabo (lembremo-nos do 25 de Abril mas esqueçamos o 25 de Novembro), mas será isso mesmo verdade? Não foi este discurso tantas vezes repetido que se tornou verdade para as pessoas. Julgo que sim! Os objetivos da maioria dos partidos (de esquerda ou direita, salvo alguns mais radicais e com agendas muito próprias) são os mesmos, as formas de os atingir é que são diferentes. Não há bons e maus, na maioria dos casos partidários.
Em suma, esta pandemia criou um burnout social/económico/político recorrente. A forma como a sociedade encontrou “de resposta prolongada a factores de stress físicos e emocionais crónicos que culminam em exaustão e sentimentos de ineficácia”. Aquilo que os cidadãos e a sociedade estão a sentir nos dias de hoje, em relação ao seu dia-a-dia, mas também em relação à forma como estão a ser governados é um “burnout de esquerda”.
As expectativas eram altas e os resultados são baixos, estamos portanto exaustos emocionalmente, despersonalizados e desumanizados, com baixa realização profissional e pessoal. Não significa isso que queiramos outro governo, provavelmente não queremos, segundo as sondagens! Mas também não queremos “desculpites”.
Queremos políticos e gestores, decisores com base em informação sólida e técnica, queremos outras medidas, queremos planificação e organização, queremos eficiência, accountability, sentido de estado, acesso, equidade e igualdade, proteção social a quem necessita, incentivos a quem produz, empreendedorismo, segurança, queremos que a “bazuca” seja uma realidade e não um mecanismo de financiamento e apoio aos “mesmos do costume”…
Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Fonte: Executive Digest