Ao longo dos tempos, a vertente histórica da regulação do Medicamento tem evoluído a par dos problemas associados à sua segurança. Os primeiros relatos do que hoje seriam chamadas reações adversas remontam a 2000 AC. Nesta altura, é introduzido no código de Hamurabi (Babilónia) como punição para um médico que causasse a morte de um doente, tão-somente o castigo de perder as suas mãos. Vários séculos passaram desde esses tempos longínquos em que as plantas serviam de base praticamente para todos os medicamentos, até à investigação de mortes súbitas provocadas pelo clorofórmio no século XIX.
Como resposta tem-se assistido à evolução do papel e rigor aplicado pelas Autoridades Reguladoras. No início, a legislação americana aprovada em 1938, Food, Drugs and Cosmetic Act, exigia à empresa responsável pela comercialização de um medicamento, a recolha de alguns dados de segurança. Com base na sua avaliação, as Autoridades tinham 60 dias para se opor a esta comercialização. O Medicamento era no entanto, automática e tacitamente aprovado uma vez ultrapassado esse período.
Uma das primeiras situações a causar alguma preocupação sobre a segurança dos medicamentos, foi a descoberta de que o cloranfenicol poderia ser responsável por casos de anemia aplástica.
Seria, no entanto, necessário um desastre da dimensão social, pessoal e mediática do da Talidomida, para despertar o mundo para a existência de Reações Adversas e para a facilidade com que até então, se assumiam os medicamentos como sendo seguros.
Em 1962, os EUA aprovam uma emenda à legislação, exigindo testes farmacológicos e toxicológicos, antes da primeira utilização no homem. O Reino Unido é também dos primeiros países a reagir, implementando o Committee on Safety of Medicines em 1968.
Em Portugal, o Sistema Nacional de Farmacovigilância é implementado em 1992, tendo evoluído substancialmente ao longo da última década.
O conceito de farmacovigilância tem vindo a tornar-se mais amplo à medida que a sociedade e os doentes se tornam mais conscientes e intervenientes. Atualmente, a continuidade é um fator chave na vigilância dos medicamentos, uma vez que é fundamental uma interpretação integrada dos dados recolhidos na fase pré-clínica e clínica, durante os ensaios clínicos obrigatórios de fase II e III, e, também durante os estudos de fase IV realizados no amplo campo da comercialização do fármaco (Estudos de Segurança Pós-Comercialização – início desta).
No entanto, a definição contínua do perfil de segurança de um novo medicamento, é afinada após o seu lançamento no mercado, e, no decurso de todo o ciclo de vida de um medicamento, sendo este tradicionalmente considerado o campo de aplicação da Farmacovigilância por excelência.
O fato de continuarmos a assistir à implementação de alterações/restrições de segurança e retiradas do mercado, tanto de medicamentos recentemente introduzidos como de medicamentos com muitos anos de mercado, tem levado a um crescimento exponencial das exigências regulamentares ao longo dos últimos anos.
O sistema universalmente consagrado, e adoptado em Portugal, para a monitorização do perfil de segurança de um fármaco é, sem dúvida, o Sistema de Notificações Espontâneas.
A partilha de responsabilidade é o conceito inerente e princípio obrigatório deste sistema, uma vez que por definição, depende de Profissionais de Saúde, Empresas Farmacêuticas, Autoridades Competentes Regulamentares e Doentes/Utentes.
O papel relevante das Autoridades Competentes Regulamentares e da própria Indústria Farmacêutica, na divulgação dos procedimentos adequados junto dos Profissionais de Saúde, tem contribuído indubitavelmente para a melhoria das taxas de notificação em Portugal.
A Indústria Farmacêutica tem um papel incontornável na correta implementação de um sistema adequado de Farmacovigilância, que deve ter por objetivo a identificação, recolha e correto encaminhamento de todas as Notificações Espontâneas.
A eficácia do sistema começa no seio de uma Empresa Farmacêutica, pela adequada formação de todos os intervenientes neste sistema, o que compreende todos os empregados ou colaboradores dessa mesma Empresa.
A formação adequada deve ser ministrada aos Elementos do Departamento Médico, das Unidades de Negócio, Delegados de Informação Médica (DIM), e, a todos os restantes colaboradores, de forma a assegurar o conhecimento de um procedimento simples, imediato e eficaz para identificar a informação recebida como uma Notificação Espontânea de uma Suspeita de Reação Adversa Medicamentosa, e, encaminhá-la para a Unidade de Farmacovigilância. A formação geral da companhia é de extrema relevância e deve ser feita de forma regular, refletindo uma postura Ético-Deontológica e constituindo-se como símbolo de Profissionalismo.
Para além da Notificação Espontânea de RAM’s (Reações Adversas a Medicamentos), não se pode deixar de mencionar, outros aspetos da Farmacovigilância como o registo de exposição durante a gravidez e a amamentação, a exposição de grupos específicos da população de algum modo mais vulneráveis, como crianças e idosos, e a vigilância relativamente a incidentes relacionados com Dispositivos Médicos, entre outros.
A abrangência de um Departamento Médico e respetivos responsáveis de Farmacovigilância deve, em todas estas situações ser global e revestir-se de atitudes serenas e eficazes, que transmitam a verdadeira essência da Farmacovigilância, assente num conceito de profissionalismo, ética, deontologia e responsabilidade partilhada.
Simultaneamente, é essencial que haja uma sensibilização dos profissionais de saúde de modo a que reconheçam o seu papel indelével na construção do perfil de segurança dos medicamentos.
A farmacovigilância é a monitorização e atualização contínua da relação benefício-risco que é atribuída ao medicamento na altura da concessão da sua Autorização de Introdução do Mercado.
É essencial a colaboração de todos os intervenientes e a interiorização da cultura de Farmacovigilância, de forma a garantir o cumprimento do seu objetivo mais nobre, que é o de contribuir individualmente para a segurança dos que tomam os medicamentos, e, globalmente para a melhoria da Saúde Pública.